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O veneno dos escravos

Seja em Telavive, Washington ou Moscovo

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Todos temos diante dos olhos a propaganda israelita que acompanha a carnificina em Gaza.

No essencial, baseia-se nos seguintes pontos:

1. Os massacres e a barbárie de 7 de Outubro perpetrados pelo Hamas não têm qualquer justificação e os excessos cometidos como reacção não podem ser postos em causa, a não ser como meras irregularidades. Não importa que tenham sido civis, mulheres, velhos, crianças, assassinados, mortos de fome, de sede, perseguidos e abandonados de forma sistemática e desumana.

Nada tem que ver com o que se passou a 7 de Outubro. E aqueles que tentam explicar o 7 de Outubro, mesmo com 76 anos de perseguição, não têm o direito de o fazer, porque nada se compara ao 7 de Outubro.

2. Israel defende os judeus que são vítimas de discriminação e anti-semitismo. Quem critica o comportamento israelita é anti-semita. O facto de os semitas terem mais árabes do que judeus é um pormenor. Para justificar seja o que for, se correr mal, há finalmente sempre um bónus a jogar que os outros não têm, e chama-se Holocausto.

3. Israel é virtuoso, mas sofre o ódio dos maus da fita, da ONU à UE, dos países árabes aos EUA, e tem de se virar e ganhar na mesma, apesar de estar “cercado”. E é por isso que se “indigna” quando é condenado pela opinião pública e pelas instituições de quase todo o mundo.

Não tenho intenção de abordar aqui o que se está a passar em Gaza, nem de me perder no bipolarismo imbecil que nos leva a aplaudir ou o Hamas ou o Tsahal. Não há circunstâncias atenuantes para os fundamentalistas religiosos, que foram, afinal, criados pela própria Telavive. Pessoas que não só instrumentalizaram a causa palestina com um fanatismo abstracto e internacionalista, mas que não hesitaram em enviar a sua população para a matança, escondendo-se atrás das linhas, tal como os partigiani do atentado da Via Rasella.

Juntos, o Hamas e Telavive, com a cumplicidade de quase todos os governos árabes e do Médio Oriente, esmagaram e esmagam a Palestina.

O que me interessa notar é que tudo o que os israelitas dizem para encobrir o seu massacre imperialista é idêntico e sobreponível aos esquemas de alguns outros: os russos e os americanos.

Os americanos actuam sempre por algo que têm de vingar contra um “Estado pária” ou um “Inimigo na sombra”. Desde o naufrágio do Maine e do Lusitânia, passando por Pearl Harbour e pelas Torres Gémeas, há sempre um 7 de Outubro pelo qual “nada voltará a ser como dantes” e tudo a partir de agora será justificado.

Napalm, bombas atómicas, Dresden, Hamburgo, Hiroshima, Nagasaki, cerca de um milhão de soldados que morreram nos campos de prisioneiros de guerra e assim por diante até Guantanamo, tudo “excessos” compreensíveis e aceitáveis por causa do “7 de outubro”.

O mesmo se passa com os russos. As dezenas de milhões de pessoas que eliminaram sistematicamente desde 1917 não são nada porque tudo começou em 1941 com a “agressão” do Eixo que ameaçava um povo tão “pacífico” que tinha invadido recentemente metade da Polónia e que tinha sido heroicamente travado na sua própria terra pelos finlandeses.

Também não nos deteremos aqui nos antecedentes da Operação Barbarossa, que mostra como os alemães reagiram a uma traição de acordos já consumados e destinados a paralisar a sua máquina de guerra. A terceira traição russa aos europeus num século e meio, seguida da mais recente, em 2022.

Tal como então, tal como hoje na questão ucraniana. Anos e anos de assédio aniquilados; o genocídio do Holodomor (7,5 milhões de ucranianos!); as incursões de soldados russos sem insígnias para criar “insurreições”; todo o número de mortos da guerra no Donbass, incluindo os quase seis mil leais de um total de treze mil. Foi alardeado um “7 de outubro” local, com o “massacre de Odessa”, negando as conclusões de nada menos do que duas comissões internacionais e as provas de quem tinha efetivamente atacado, esquecendo como deflagrou o incêndio, bem como omitindo o facto de o responsável pela não intervenção das forças de segurança se ter abrigado junto dos russos. Recorrendo até a falsas testemunhas sobreviventes (um clássico de Lubjanka), fizeram do imperialismo na Ucrânia uma causa santa. E esse 2 de Maio de 2014, distorcido, virado do avesso e narrado com uma língua bifurcada, tornou-se a data de origem de tudo. Tudo o que o precedeu não existe: como o 7 de Outubro, de facto. O que é que dezenas de milhões de mortos contam contra a narrativa de Odessa?

Qualquer reacção à voracidade russa é constantemente tachada por Moscovo como infâmia, uma conspiração de vilões que querem destruir a pobre Rússia, que é constantemente apresentada como ameaçada na sua integridade territorial. Onde é que isso acontece? Em territórios alheios ocupados pela força!

Que diferença em relação a Telavive? E com Washington?

Podíamos sentir-nos tentados a dizer que é assim para toda a gente, que está na lógica de todo o imperialismo e que, portanto, não é surpreendente. Mas isso não é verdade.

Se pensarmos na Segunda Guerra Mundial, este estilo de comportamento era russo e americano. Não era alemão ou japonês. Não foi certamente italiano, mas também não foi francês ou britânico.

Também não há qualquer vestígio disso durante o império espanhol ou britânico, nem nos colonialismos português, holandês, francês, belga ou italiano.

Os britânicos, que certamente nunca foram brandos, nunca recorreram a este sistema de envenenamento das almas e das mentes.

Não se envolveram na vitimização e abstiveram-se essencialmente de uma propaganda auto-evangelizadora enjoativa e vil.

Nunca precisaram de um Pearl Harbour, de uma Odessa, de um 7 de Outubro.

Sempre se preocuparam pouco em parecer duros mas justos, bastava-lhes ser duros.

” Right or wrong is my Country”. Nunca fizeram pose para serem apresentáveis nas assembleias hipócritas e vulgares da plebe desvairada.

Porque, no fundo, mantinham uma herança guerreira e cavalheiresca.

Os russos, os americanos e os israelitas não.

“Eu sirvo, tu serves, nós servimos – assim é a hipocrisia dos que dominam – e ai se o primeiro dos senhores for apenas o primeiro dos servos!” (Assim falava Zaratustra).

No meu livro Nuovo Ordine Mondiale tra imperialismo e Impero, publicado em 2002 pela Barbarossa, também apresentei a tese de que a modernidade pós-romana incluiu a sua própria regressão de castas e que a era do Mundialismo, imposta por Ialta, é a era dos Párias.

A era do pós-servilismo, para além da própria citação de Nietzsche.

Talvez seja disso que se trata, e não apenas da impunidade dos poderosos, não apenas da lógica do imperialismo, pois isso nunca foi o caso no passado.

O poder e a arrogância não precisam de vitimização e de deturpação da realidade, invocada e embalada para não pagar publicamente o preço. Mas estes sentem essa necessidade, aliás não podem passar sem ela, porque do magma caótico, da obscuridade ctónica que os gerou, eles são os campeões e por isso não podem, literalmente não podem, assumir a dignidade aristocrática.

Há um ditado espanhol que diz: “Não há pior tirano do que um escravo com um chicote na mão”.

É provavelmente disso que se trata hoje. Para além das nuances devidas aos diferentes níveis de grosseria, quer se trate de Moscovo, de Washington ou de Telavive, estamos perante a vergonhosa, desavergonhada, mentirosa, hipócrita e implacável tirania de escravos que agem como déspotas.

Repugnante!

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