Os Estados Unidos da América autorizaram, pela primeira vez, a Ucrânia a utilizar mísseis norte-americanos de longo alcance para defender as suas tropas na região russa de Kursk, ocupada por forças que, desde Agosto passado, lançaram o aparelho militar de Moscovo numa crise psicológica e táctica.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, respondeu que isso equivaleria a uma guerra com a NATO, enquanto o deputado da Duma, Vladimir Dzhabarov, disse que era “um passo muito importante para a Terceira Guerra Mundial”.
Na Europa, reina o mal-estar, alternando entre a preparação de cenários de guerra e apelos cobardes à paz.
Há dois anos que o Kremlin ameaça com o apocalipse nuclear, uma ameaça muito menos frequente nos tempos em que a Rússia era uma verdadeira potência, o que mostra que Moscovo se sente frágil e fraca.
Devemos então preocupar-nos? Obviamente, posso estar enganado, mas diria que não.
Uma escalada psicológica e programada
Esta escalada parece-me ser psicológica e fazer parte do jogo para resolver o conflito ucraniano que, recordemos sempre, foi provocado pela invasão russa numa altura de grande desanuviamento no Donbas e quando as duas principais nações europeias eram governadas por governos abertamente pró-russos.
Isto aconteceu logo após o acordo entre a Europa e Kiev para a utilização de minerais raros do Donbas na nossa indústria civil e militar, o que deixou os americanos inquietos.
A Rússia, independentemente das suas razões “subjectivas”, ao invadir a Ucrânia, escolheu, pela terceira vez consecutiva (depois da Líbia e do Sahel), atacar os nossos interesses e favorecer os dos Estados Unidos.
Desde então, surgiu um cenário de Ialta 2.0, embora de segunda categoria (limitado ao quadrante da contenção europeia): com mecanismos semelhantes aos de então, o objectivo é manter a Europa sob pressão e, provavelmente, dividir a Ucrânia.
O factor Trump
A eleição de Trump, que prometeu acabar com a guerra, exige agora um reposicionamento.
Mas como acabar com ela? Imediatamente após a sua eleição, Trump deixou claro que não poderia forçar Kiev a fazer concessões se Moscovo não fizesse o mesmo. No entanto, após mais de dois anos de um conflito sangrento que só beneficiou os EUA, como é que se pode aceitar ceder uma parte do território capturado, especialmente se se cometeu o erro de o “anexar” oficialmente?
Moscovo deve esperar um colapso militar ucraniano antes do Verão, uma vez que vários indicadores logísticos fazem com que receie o seu próprio colapso dentro de um ano.
Os EUA querem uma Ucrânia dividida e uma Rússia ameaçadora, porque a Rússia sempre foi o seu cão de guarda contra nós. No entanto, também precisam de salvar a face, evitando uma vitória militar russa decisiva, que seria o segundo pior cenário de Washington. O primeiro seria uma nova implosão de Moscovo, como aconteceu em 1991, que colocaria os americanos na berlinda e os obrigaria a conceber estratégias complexas em todo o mundo para preencher o vazio criado.
Para pressionar as partes a negociar, nada melhor do que a “véspera da guerra nuclear”, como aconteceu durante a crise dos mísseis de Cuba, há 62 anos. Daí as ameaças balísticas mútuas.
Se isto levar as partes à mesa das negociações, resta saber o que é que os russos vão conceder e, sobretudo, quem vai conceder em seu nome.
Putin não pode ceder nada porque isso condená-lo-ia.
Putin deve dormir inquieto
É por isso que, tendo em conta as lutas internas constantes no topo do poder russo desde o início da guerra, é provável que Moscovo comece a considerar a possibilidade de afastar o grande mediador das máfias internas que, durante 25 anos, controlou o poder apesar de governos e orientações muito diferentes.
Até os padrinhos, por vezes, correm riscos.
Se eu fosse ele, não me sentiria à vontade.
Para ser claro: não estou a desejar a morte de Putin, estou simplesmente a considerar o que poderia ser a grande solução formal para a consolidação “pacífica” de Ialta 2.0.
Uma solução que, a acontecer, será totalmente russa e seguirá os métodos habituais nestes locais.
De qualquer forma, com ou sem Putin, não muda absolutamente nada para nós: não é um desejo, mas uma conjectura racional.
Em todo o caso, continuaremos presos numa pinça entre o Leste e o Oeste.